sábado, 21 de março de 2009

A grande vitória do incrível monstro de tesouras


A sexta-feira 13 veio com uma semana de atraso, pelo menos para mim. Foi neste dia 20 de março que, de fato, o pavor tomou conta da minha vida e todo aquele mundo onírico dos filmes de terror se tornou pura realidade. Não é brincadeira, não. Acreditem, é muito sério: tive um terrível encontro com um terrível monstro de forma terrivelmente gosmento-gelatinosa. Os seus quase três metros de altura eram preenchidos por uma cor amarela. Os olhos eram grandes, verdes e amedrontadores. Na cabeça, cabelo não tinha. Talvez nem cabeça tivesse. Tinha, sim, lâminas assassinas no lugar de suas mãos.

O local do meu embate com o grandão era ainda mais aterrorizante. Um castelo cheio de nuvens negras ao seu redor, com morcegos voando e risadas malignas ecoando em seu interior. Pessoas enforcadas e degoladas eram apenas decoração, juntamente com crânios, esqueletos e um cheiro provocovomitante de... cremes para cabelo. Na entrada, um tapete laranja prenunciava todo o pânico que eu passaria lá dentro. Os sofás verdes com azul eram ainda piores. Os parquês soltos no chão, todos aqueles pés femininos sendo pintados e um barulho atordoante de secadores de cabelo completavam o ambiente. Enfim, um terrível ritual, muito provavelmente vinculado ao tinhoso, ao demo, ao capeta mesmo.

Não pensem que fui tão longe para ver tal barbaridade: General Osório esquina com Rodrigues Lima. À disposição dos corajosos de plantão.

Antes mesmo de eu bater ou tomar qualquer atitude, a porta se abriu sozinha, com um ringido ensurdecedor. Bati um papo com a secretária (sim, o filhote de cruz-credo tinha até secretária) e me sentei. A batalha tinha hora marcada: 11h30min. Cheguei um pouco antes para me preparar, como aqueles times que vão jogar na altitude. Estava tudo planejado. Mal sabia que meu futuro era incerto.

Entrei na sala da grande luta. Com o monstro, mais quatro acompanhantes. Ele estava jogando sujo. Até tentei dar o meu primeiro golpe. Foi em vão. O terrível me amarrou com uma grande capa preta (também conhecida como avental) e me atirou em uma cadeira. Em seguida, as lâminas embutidas ganharam liberdade e saíram dos braços do bicho amarelo. A sua primeira investida já me deixou destruído. Apenas ouvi um “tic tic”, e metade dos meus longos, belos, lindos, crespos, pretos cabelos estavam ao chão. Na minha frente, um espelho me permitiria ver as ações do ser anômalo, e bolar alguma estratégia para o revide. Mas eu já estava batido. Me conformei: ainda me restava a barba, as axilas...

Não queria ouvir, ver e, principalmente, sentir mais nada. Fechei os olhos, coloquei os fones na orelha e me entreguei à triste vida dos homens sem cabelo. Apesar da fantasia supraescrita, eu juro, para vocês todos, que o pacotinho entregue a mim pelo senhor da história abaixo continuava comigo.

Desde que a minha avó pediu para que cortasse o cabelo para seu aniversário, no dia 15 de janeiro de 2002, passaram-se sete anos. Sete anos ostentando, orgulhoso, a juba que conheceis. Sete anos vendo os fios tocarem na guitarra que eu segurava. Sete anos aprendendo a cuidar de algo mais comum para meninas. Sete anos brigando com a mãe pela cabeleira caída no ralo do banheiro. Sete anos sabendo que era diferente da grande maioria. Sete anos de felicidades e preconceito. Sete anos sonhando em ser o deus do rock. Sete anos que jamais esquecerei, e que talvez voltem, afinal eles crescem de novo.

Não sei ao certo o que me fez ir até o castelo e enfrentar o monstro. Não foi por pressão da família ou do mercado de trabalho. Senti apenas que, talvez, essa era a hora de mudar um pouco.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Marley, eu e um velhinho

Sabe aquelas histórias simples, por vezes bobas, mas que realmente nos tocam de alguma forma? Eu tenho uma dessas para contar.

Fazia um pouco frio para quem não se cobria com um casaco. Uma típica noite do final do verão gaúcho. Minha namorada, Tamíris, e eu, caminhávamos pela principal avenida de Bagé, a Sete de Setembro, na quadra situada entre a Bento Gonçalves e a General Neto. Quem conhece a cidade lembra de primeira: é onde fica o Imba, o Comercial, a Casa de Cultura e também duas galerias: a Kalil e a Sete. Esta última, onde está instalado o único cinema bageense – o Cine Sete, reinaugurado há poucos dias, e que rodou apenas dois ou três filmes até agora. Um deles, Marley e eu, que acabáramos de assistir.

Confesso: relutei um pouquinho para ver este filme. Apesar de ter lido algumas páginas do bom livro do jornalista e escritor John Grogan, que dá origem à trama, para mim não passaria de mais uma daquelas chatas histórias de cachorros-heróis. Me enganei. O que o diretor David Frankel conseguiu levar às grandes telas tem uma mistura muito interessante. Um bocado de humor e drama temperado com uma boa dose de essência humanitária, no sentido altruísta da palavra, já que a temática é a vida de um animal.

Realmente, a história tira boas risadas dos espectadores com as trapalhadas do cachorro destruidor de lares, no sentido literal da expressão mesmo. O final é emocionante. E isso era possível notar não apenas prestando atenção no filme. Mas na plateia que o assistia. Entre um diálogo e outro na telona, vários soluços nas poltronas. No término da trama, quando as luzes acenderam, rostos encharcados. Nas escadas de saída, todos comentavam: fulano chorou, sicrano também. Ou seja: todos. Menos eu. E de fato, me senti um extraterrestre por isso.

Mas ainda havia tempo para eu recuperar o meu espírito fraterno, que estava vagando por aí. E o encontrei. Na esquina da loja Tempoo, onde tem uma famigerada carrocinha de lanches. De longe avistei um senhor com barba branca e quase sem cabelos. Pequenino, magrinho e simpático, portava um rosto um pouco assustado. Carregava, também, um pacotinho com as minhas lágrimas.

Com a voz trêmula e confusa ele se apresentou. Parecia ser um daqueles velhinhos de rua. Estava sujo, com uma roupa consideravelmente nova, mas desarrumada. Cheirava mal, parecia não tomar banho há alguns dias. Não estava alcoolizado, como comumente encontramos tais figuras descritas.

Com uma expressão cheia de humildade, pediu: “por favor, me paga um pãozinho, que estou com fome?”, disse, apontando para o vendedor de panchos. Não ouvi com as orelhas penduradas à cabeça, mas sim, com as que estavam no coração. Dei de ombros para todo aquele discurso de que não se ofertava algo a pedintes. Não era isso o que importava. Fui lá e paguei o tal lanche para o homem. Resultado: um belo sorriso quase sem dentes, um forte aperto de mãos, um abraço daqueles de parar o mundo, e um beijo, além, é claro, da devolução de minhas lágrimas. Fiz questão de colocá-las rapidamente em meus olhos.

O senhor repetiu os mesmos gestos com minha namorada e depois nos despedimos. Cruzamos a Praça do Coreto e fomos para casa. Depois de alguns segundos, minha vida estava separada da vida daquele velhinho. Talvez para sempre. Não acredito que ele viva por muito tempo. Mas sem dúvida, a memória daquele momento caminhará ao meu lado por muitos anos.

Isto aconteceu às 23h32min de um dia qualquer. Agora são 2h47min da madrugada e ainda continuo pensando sem parar no que aconteceu.