quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Comprando um carro...


Muitos acreditam que o melhor em possuir um veículo automotor é a independência locomotiva conquistada. Ou, ainda, que para 97% das mulheres vale mais você ter um carro do que ter os dois testículos. Mas o mais engraçado mesmo em ter um automóvel é o processo que se passa para de fato tê-lo.

As expressões utilizadas pelos vendedores são, no mínimo, hilárias. A primeira investida é aquela mais ou menos assim: “meu amigo, este aqui é um carrinho que tu vai comprar e vai sair andando com ele”. Menos mal, né? Eu imagino um vendedor dizendo: “olha... esse carro é maravilhoso, mas você vai ter que sair empurrando, tá?”.

Mas não é só piadinha, não. Aprendi algo concreto também. Por exemplo, vocês sabiam que homens jovens não vendem seus carros? Eles guardam em algum lugar misterioso. Tipo um mundo paralelo de carros de homens jovens. Ou é isso ou então aconteceu uma grande coincidência, porque todos os carros que procurei eram de algum casal de velhinhos ou de uma professora...

Outra. Vendedores são muito comunicativos, mas têm uma dificuldade imensa para pronunciar duas palavras: hidráulica e condicionado. “Olha amiguinho, eu vou quebrar um galho e lhe dar um belo desconto só porque este carro não tem ‘ar’ e nem ‘direção’, ok?”. Ora bolas, é claro que vai me dar um desconto. Eu não vou conseguir guiar e muito menos respirar.

Mas a expressão que eu acho a melhor é a seguinte: “esse carro está bem durinho, firmezinho, hein?”. Isso me faz concluir que eu nunca compraria um Picasso. Já pensou ter que sentar todo dia em um Picasso durinho e firmezinho. Não é comigo.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Marcha soldado, cabeça de papel


Quando eu tinha 19 anos, um pouco depois de ter sofrido dois anos para ser liberado do Quartel, escrevi este texto - um trabalho da faculdade que deveria responder à questão "Que país é este?". Talvez seja um pouco reacionário, mas sua essência ainda carrega muito do modo de pensar.



Ah... Eu tenho muito, muito orgulho e disposição para gritar aos ventos: esta é a nação onde desfilam os soldadinhos mais bem ensaiados do planeta. Aqui, os dentes brancos que marcham elegantes sobre os coturnos lustrados contrastam com o aplauso dos sorrisos banguelas do povão, que é justamente quem paga para organizar o nobre espetáculo da Independência.

Há 185 anos, Dom Pedro decretava, às margens do Ipiranga, a liberdade política do Brasil. Desde lá, no entanto, os brasileiros se livraram apenas de Portugal, porque a dependência do mau uso do dinheiro público continua até os dias de hoje. Em mais um sete de setembro, isto novamente foi retratado. Uma dinheirama foi gasta para colocar na passarela os milimétricos passos do corpo de bailarinos fardados.

Todo este balé militar exige muito ensaio, é claro. E enquanto os heróis dançam e preparam o figurino, nossas fronteiras são ultrapassadas por traficantes que despejam toneladas de drogas no território nacional. As nossas florestas são queimadas pelos poderosos fazendeiros, e os aviões brincam de bate-bate por aí. Espadinhas, fuzis e tanques de guerra, que deveriam defender o país, coroam o festejo como uma majestosa decoração. Mas o treinamento coreográfico não pode parar! Afinal, já pensou fazer feio na hora H, na frente da deslumbrante bancada dos políticos? Bela justificativa.

Ah Brasil... Enche-me os olhos saber que o dinheiro investido no passeio dos milicos poderia estar salvando vidas, ou educando melhor um montão de crianças. Tenho tanta honra em bancar o patriotismo cabeça de papel que aí está. Por favor, acudam, acudam, acudam a bandeira, a ordem e a moral nacional.

Aliás, por que diabos o quartel de fato não pegou fogo?!

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Chef Jóinha: receita para uma reunião legal


Uma das premissas para a existência de uma reunião é a de que ela deve ser chata. Não existem reuniões legais – legais do tipo maneiras. E geralmente as pessoas que participam das reuniões também não são legais. E se são, se adéquam à chatice para que não as descubram como invasoras ou como um inconveniente ou até mesmo como espiãs.

Bom, mas eu darei em primeira mão o segredo para deixar uma reunião joinha, supimpa, bacana – ao contrário das expressões utilizadas como sinônimos de legal.

Ingredientes: um (ou mais, mas não pode virar bagunça!) japonês que não fale claramente o português; outros brasileiros que tenham pouca capacidade em decifrar as palavras proferidas por um japonês que fale mal a língua daqui. Cadeiras, mesa, cafezinho, canetas e uma pauta são meros “supérfluos necessários”.

Pronto. Só isso. Não sai tão caro. O difícil mesmo é achar o japonês. Dia desses eu estive em uma reunião legal. Reunião legal, para aqueles que ainda não captaram: reunião com japoneses e brasileiros.

Papo vai, papo vem. Papo não. Não fica formal. Não fica chato. Asseverações e declarações vão, afirmativas e ponderações vêm então o japonês começa a fazer o uso das palavras para explicar suas necessidades como feirante em Bagé. Eu já havia falado que pauta era supérfluo, por isso só agora aparece a informação de que a reunião tratava sobre a Feira Livre de Bagé.

O sotaque é complicadíssimo, mas com alguns franzires de testa as pessoas vão entendo o “nipoportuguês”.

Até que...
Até que...
Até que...

O japonês solta: “preciso que me ajudem na ‘ereção’ do presidente da Feira”. Não preciso nem dizer, mas vou dizer: os rostos na sala foram de ... sabe quando se mistura um apavoramento total com uma incredulidade completa? Mas tratava-se de uma reunião política. Logo, trataram de refazer a compostura.

Um deles não conseguiu. Fiel partidarista, logo se ajoelhou e gritou por mais de uma vez: “É o milagre do crescimento! É o milagre do crescimento!”. Neste tempinho, os demais rapidamente tiraram notas altas do bolso com vistas a comprar uns comprimidos azuis para, de fato, ajudar a ereção do presidente. Estava ao alcance deles.

Mas eis que pensaram e fizeram uma bobagem - perguntaram: “de que ajuda o senhor precisa?”. Veio a resposta nipônica: “ajuda na ‘ereição’ do presidente”. Ah, não conseguia pronunciar a letra “L”. Era uma espécie de Cebolinha às avessas. Ele queria somente ajuda para organizar uma eleição de presidente da Feira.

Todos, sem exceção, murcharam. Agora seria muito mais difícil ajudar o japonês.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

O problema é com a Yeda ou com a minha mãe?


A verdade está nas crianças. Esta é uma de minhas convicções. É por isso que esta história se torna ainda mais assustadora.

Noite fria e chuvosa de segunda-feira, um pouco antes da meia noite. Trovões e relâmpagos batem na janela como monstros de seriado japonês. Um ambiente pavoroso. Mas tudo poderia ficar ainda pior.

Minha irmã, Caroline, de apenas oito anos, está aborrecida em seu quarto. Eu adentro ao local. Com medo também, é claro. Pergunto: “o que houve, Carol?”

Carol responde: “a mamãe não deixou eu botar o colchão grande no chão, pra nós dormirmos juntos, maninho”.

Eu rebato: “ela é uma ditadora, né Carol?”

Carol: “não, pior, ela é uma Yeda”.

É... A situação está feia para a “companheira” tucana. Ser pior do que um ditador, convenhamos, é pior do que ser a primeira bolachinha do pacote, é pior do que ser o gás da Fruki Cola. E você, o que acha? Responda a enquete ao lado ou comente. Ou faça os dois.

Eu, pelo menos, acho Yedinha horrível e garanto: o problema não está em minha mãe. Ela é o meu maior orgulho e a maior heroína que as séries ocidentais já viram.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O curso do tempo


O tempo é realmente cruel. Ah, estou pegando leve demais. O tempo é a maior desgraça do mundo. É ele que nos rouba a infância. Ele faz com que as pessoas cresçam, e crescer é nojento. Quem disse que eu precisava de ter responsabilidade com as coisas? Ele nos atira rugas na cara. Ele acaba com a nossa disposição. Ele nos mata.

O que fizeram com a Mônica da 4ª série? E com o Marquinhos, da 6ª? Onde está o Rafael? Todos foram engolidos por um tempo que fez questão de separar qualquer possibilidade de um reencontro.

E isso tudo é horrível, não é? Mas é necessário. O tempo também nos faz esquecer, nos faz dar um passo adiante. Nos faz entender. O que seria de nós se vivêssemos na terra do nunca? Não teríamos passado. Não teríamos futuro. Seríamos nós em nós mesmos.

Sabe, dia desses eu estava em Pelotas, na casa do meu irmão. Jogamos vídeo-game como doentes ficcionados em qualquer coisa. Mas por um momento, voltamos à nossa infância. Conseguimos recuperar, por pouco tempo, nossos sorrisos mais sinceros. Minutos depois estava por dormir, e lembrei da tal realidade chata. Tinha um concurso para fazer no outro dia. O fiz. E passei.

Agora, sou feliz ou triste?

Espero ter tocado vocês com estas palavras. Se não o fiz, leia isto de novo, daqui a um mês.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

O que andava para trás, trocava de cor e comia criancinhas?


E aí, alguém acertou a charada do título? Quem adivinhou já sabe o porquê deste texto. Michael Jackson, com 50 anos, partiu desta para uma melhor, bateu as botas, esticou as canelas, abotoou o paletó, enfim, virou presunto.

Uma parada cardíaca foi a responsável pela morte do cantor, que aconteceu na tarde desta quinta-feira, 25 de junho, em Los Angeles (EUA).

É claro que os fãs fiéis sentiram muito a perda. Mas se a morte de Michael Jackson tivesse acontecido nos anos 80, o mundo pararia. Foi naquela década que o músico alcançou o ápice, com o lançamento do disco Thriller (1982), que vendeu 104 milhões de cópias, segundo os empresários do cantor.

Depois de tantos escândalos, no entanto, o brilho e a magia sobre um dos maiores ícones da música pop mundial praticamente se apagou. Dentre as diversas polêmicas, as que mais chamaram a atenção foram as acusações de abuso sexual contra crianças.

De negro passou a ser branco, após um processo de despigmentação da pele (consequência, segundo o cantor, da doença vitiligo).

A construção da Neverland (Terra do Nunca), rancho com zoológico e parque de diversão particulares, também despertou o interesse público.

E o que dizer da vez em que segurou seu filho para a parte de fora da janela, quase o fazendo cair e assustando os espectadores do mundo todo.

Ainda era motivo de curiosidade as inseparáveis máscaras com que desfilava.

Só o tempo irá dizer o que será mais lembrado: as confusões ou os 750 milhões de álbuns vendidos e os 13 prêmios Grammy conquistados.

Michael Jackson nasceu em 29 de agosto de 1958, em Gary, Indiana (EUA). A carreira começou cedo, nos anos 60, quando tinha apenas 5 anos e cantava ao lado dos seus quatro irmãos mais velhos no Jackson Five.

Mas foi sozinho, com os famosos passos para trás e uma mistura de funk, disco e pop, que o sucesso tomou maiores proporções.

Atualmente estava preparando uma série de shows que seriam apresentados em Londres.

Confira aqui uma linha do tempo com a carreira do cantor.

Link para o clip da música Beat It, do disco Thriller. O solo é do guitarrista Eddie Van Halen

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Patinhos, nudez, índios, padres, políticos e a água


Em tempos de racionamento em Bagé, com esta foto do chafariz da Praça Silveira Martins, a capa do Jornal Minuano desta quarta-feira, 17 de junho, questiona: “Água Fora?”.

A matéria trata de esclarecer que não há desperdício, já que “o sistema de funcionamento dos chafarizes aproveita a água de seu lago e a devolve”, conforme o texto do diário bageense.

Até aí tudo jóia! O problema é que inventamos de imitar os índios em muitas coisas. Daqui a pouco, bem pouquinho, a galerinha do mal vai estar lá, de sunga (ou sem ela), toalha, sabonete e patinho para tomar o seu banho diário.

Já pensou? Todo mundo peladão, que nem aqueles centenários anjinhos obscenos dos chafarizes. E o pior, em frente a uma igreja! Frei Álvaro não vai gostar nadinha, pessoal!

Confesso que até eu entrava na fila do banho. Aqui em casa a água acaba muito antes das 15 horas, como prometido nas propagandas do Daeb (Departamento de Água e Esgotos de Bagé). Lavagem corporal só nas primeiras e geladíssimas horas da manhã.

Enquanto isso, o dinheiro da nova barragem Arvorezinha continua parado. Segundo Dudu, prefeito de Bagé, a Ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, já garantiu em ato público que a obra está incluída no Pac (Programa de Aceleração do Crescimento).

Ora, se a saliva da Dilma me banhasse eu ficava bem feliz até. E vamos combinar que o banho é secundário - ainda tem a comida para ser feita!

É preciso acelerar o processo das licenças exigidas para o início da barragem. É preciso que os figurões bageenses tenham força política para que a obra seja, de fato, prioridade.

Já ia me esquecendo. A igreja citada fica ao lado do prédio da prefeitura. Um protesto com gente pelada chama a atenção, hein! Ia ser lindo ver o povão gritando em frente à casa do Executivo: “Ei, Dudu, vai tomar um banho!”, no chafariz, é claro.

Está na hora dos políticos resolverem o problema da água na Rainha da Fronteira. Ou, em breve, viveremos em uma praia de nudismo, banhada pelo arroio Bagé.

Foto: Bosco (Jornal Minuano)

A matéria do Jornal Minuano pode ser lida na íntegra em www.jornalminuano.com.br

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Gripe econômica ou crise suína?


Antes de começar expressamente o conteúdo deste artigo, vamos a um dificílimo teste de raciocínio. Você está preparado? Vamos lá: qual é o bem (não-material) mais importante da sua vida?

Os mais faceiros vão responder: a minha alegria de viver! Para os mais românticos, o amor! Para os vaidosos, a beleza! Mas o buraco é mais embaixo. É o que permitiu fazer com que você levantasse hoje e realizasse atividades diversas – entre elas ir até o computador, ligar o computador, abrir o navegador, digitar www.ogritodarainha.blogspot.com e ler até aqui.

Quem respondeu saúde ganhou dois pontos e avança cinco casas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social.

A sua saúde e a da sua família, mais a saúde do vizinho, do seu colega de trabalho e de toda a sociedade, aliadas às ações do Estado para pensar e estruturar sistemas e serviços de atendimento, é conhecida como saúde pública. A célebre saúde pública. Tão lembrada em períodos eleitorais. E tão marginalizada politicamente depois de outubro dos anos pares.

Mas para quê quatro parágrafos para realmente introduzir o assunto? Para eu fazer mais uma pergunta: alguém falou em crise econômica depois que a gripe suína começou a assustar a população mundial?

Não, não e não mais uma vez! Quer algo mais importante para se preocupar do que a saúde pública? Ainda mais quando a preocupação é com uma possível pandemia mundial. Nem dá tempo para pensar em crise econômica! Problemas financeiros são vencidos, a morte não.

O engraçado é que agora nem em gripe suína se fala mais. Por quê? Porque não era tão grave assim. A verdade é que a mazela veio em boa hora para muita gente. E o mercado econômico soube como conduzir a imprensa para uma mudança no foco dos debates públicos. O sensacionalismo transformou um pequeno problema em temor global.

Sabe-se que as especulações do mercado econômico giram muito em torno do que está sendo divulgado nos meios de comunicação. Ou seja, quanto mais a crise aparecia na mídia, mais se desacreditava em suas soluções.

Depois da tempestade vem a bonança. Agora está tudo resolvido, não é mesmo? Não se fala mais em crise e nem em gripe. Conseguiram um bom remédio para acabar com o abalo financeiro.

Estão todos com os bolsos cheios de grana e sem ranho escorrendo pelo nariz!

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Quanto vale uma vida?


UM CENÁRIO DO TRÁFICO DE DROGAS EM BAGÉ
Troca de tiros, mortes, tortura, medo constante. A polícia, os viciados e os traficantes. Esta é parte da realidade carioca retratada em cenas do filme “Tropa de Elite”, sucesso de bilheterias em todo o Brasil, que aborda os problemas do tráfico de drogas em uma das maiores cidades do país, o Rio de Janeiro. Dramas como este estão longe do dia-a-dia bageense? Ou o crime está camuflado, esperando o momento certo e o terreno fértil para mostrar a sua cara?

Cocaína, maconha, crack, loló e merla. Estas são algumas das drogas que, como nos grandes centros, já circulam em Bagé por rotas obscuras, e passam pelas mãos de crianças, adolescentes e adultos, sem distinção de cor ou classe social.

A cidade, situada no interior do Rio Grande do Sul, e com um pouco mais de 100 mil habitantes, é relativamente pequena, o que facilita os contatos e aproxima o traficante da comunidade.

As histórias contadas abaixo não mostram as simples facetas de ex-viciados ou ex-traficantes que relatam o que passaram e o que pensam sobre as drogas – como comumente vê-se nos meios de comunicação. Isto seria uma distorção da realidade, e é antiético apresentar isto como verdade. As linhas que seguem mostrarão os agentes principais da construção do cenário das drogas em Bagé: os criminosos atuantes e os usuários.

O QUÊ N.B.S TEM PARA CONTAR

N.B.S são as iniciais de um traficante de Bagé. O nome foi preservado para que a fonte pudesse falar sem medo de restrições legais.

“Vi no tráfico uma oportunidade. Eu não tinha emprego”. Dessa forma começa a história de N. B. S., de 29 anos e que há 12 vende drogas em Bagé. Com apenas 17 anos ele já traficava, e era movido por um motivo muito mais forte do que a necessidade de sustento. “Eu queria ganhar muito dinheiro”, diz.

Demorou um pouco, mas de iniciante, a ambição fez N. B. S. se tornar um dos cinco maiores traficantes de Bagé. O faturamento mensal é impressionante: ultrapassa os R$ 15 mil – o equivalente a, aproximadamente, 36 salários mínimos.

Especializado na venda de maconha, cocaína, crack, e de merla (uma mistura das folhas da coca com alguns produtos químicos como ácido sulfúrico, querosene e cal virgem) o ponto de vendas recebe uma visita diária de cerca de 30 pessoas. “Hoje o que tem mais saída é a merla”. N. B. S. explica que esta droga é uma novidade em Bagé, e por isso é muito procurada. O efeito é destruidor: vicia mais rápido e prejudica muito mais do que crack e cocaína.

A última parada antes da droga vir para Bagé, geralmente, é Porto Alegre, mas cidades de fronteira com o Uruguai, como Santana do Livramento, também servem como fonte dos entorpecentes. Ao chegar aqui, o armazenamento é feito com prudência e, principalmente, mistério: “como guardamos é segredo, mas tem que ter cuidado com ela (droga), porque ela é um bem para nós, vale até mais do que uma mulher”, diz.

Depois de armazenada, parte da droga é repassada aos revendedores, os chamados “vapores”, que têm a função de movimentar e descentralizar o negócio. Para cada um dos “representantes comerciais” do tráfico é pago, em média, R$ 800,00 mensais.

O dinheiro lucrado por N. B. S. com a venda de drogas não é aplicado diretamente em bens materiais próprios. “Para não dar na cara”, justifica, explicando que a polícia ou a comunidade podem estranhar o enriquecimento ilegal. No entanto, uma boa casa, carros e estudo foram alguns dos luxos que o traficante proporcionou à sua família.

Dono de uma pistola automática, N. B. S. já teve de usá-la para matar, com o objetivo de controlar problemas do tráfico. Sem entrar em muitos detalhes sobre este tema, ele explica, no entanto, que não existe rivalidade entre os traficantes locais. “Apenas não dá para confiar totalmente, senão eles podem me passar para trás e pegar o ponto”, diz.

Apesar da prisão de alguns revendedores de drogas em Bagé, N. B. S. exclama: “O tráfico cresce bastante aqui”.

QUEM ALIMENTA O TRÁFICO?

F.M. e E.R. são iniciais dos nomes de usuários de drogas entrevistados para esta matéria.

“Cocaína: aceleração, tranqüilidade, paz, logo após ansiedade e nervosismo; Benzina: loucura total; Cola: viagem para outra dimensão; Maconha: relaxamento mental e corporal e uma leve sensação de felicidade”. Assim a jovem F. M., de 20 anos, define o efeito de cada droga já utilizada em uma história de sete anos de dependência química.

Aos 13, na escola, por curiosidade, ela comprou pela primeira vez a maconha. A partir daí F. M. não parou mais, experimentou outros entorpecentes, e até hoje utiliza, pelo menos uma vez por dia, a droga que a colocou como uma das financiadoras do tráfico de drogas. “Eu gostaria de não gostar da maconha, de não me sentir bem com ela”, revela.

E. R., de 27 anos, tem uma história ainda mais extensa no mundo das drogas. Com 11 anos, também por curiosidade, ele experimentou, junto com amigos no colégio, a maconha. Aos 15 a cocaína entrou em sua vida – entorpecente usado com freqüência até os 16.

“Com essa idade parei com a cocaína”. Desde então, E. R. passou a usar diariamente a maconha. Por mês são gastos cerca de R$ 100,00 com a droga. No entanto, ele revela que gostaria de empregar o dinheiro em um negócio lícito: “sou a favor da legalização para não haver a criminalização”, finaliza.

O dinheiro ganho no tráfico de drogas e o gasto para alimentá-lo é exorbitante. Talvez você se pergunte, ao chegar às últimas palavras deste texto, por que ainda estudar ou trabalhar, se um traficante ganha 36 vezes mais do que milhões de brasileiros, e um dependente químico emprega, muitas vezes, um salário mínimo para alimentar o seu vício? Por que continuar se esforçando, se a ilegalidade que passa por debaixo dos panos lucra milhões a mais do que qualquer empreendimento construído com suor e honestidade?

O tráfico mata hoje no Brasil milhares de pessoas todo o ano. Seja com o efeito dos alucinógenos ou pelas armas que controlam o esquema, a ilicitude das drogas condena à morte cidadãos indignos, e os dignos também.

Ao final destas palavras, volte a se questionar: qual é o valor de uma única vida? Escolha os seus caminhos e defina os seus conceitos a partir desta resposta.

Foto: Leko Machado

Reportagem também publicada na Revista Alphorria (janeiro de 2009)