terça-feira, 28 de setembro de 2010

Marcha soldado, cabeça de papel


Quando eu tinha 19 anos, um pouco depois de ter sofrido dois anos para ser liberado do Quartel, escrevi este texto - um trabalho da faculdade que deveria responder à questão "Que país é este?". Talvez seja um pouco reacionário, mas sua essência ainda carrega muito do modo de pensar.



Ah... Eu tenho muito, muito orgulho e disposição para gritar aos ventos: esta é a nação onde desfilam os soldadinhos mais bem ensaiados do planeta. Aqui, os dentes brancos que marcham elegantes sobre os coturnos lustrados contrastam com o aplauso dos sorrisos banguelas do povão, que é justamente quem paga para organizar o nobre espetáculo da Independência.

Há 185 anos, Dom Pedro decretava, às margens do Ipiranga, a liberdade política do Brasil. Desde lá, no entanto, os brasileiros se livraram apenas de Portugal, porque a dependência do mau uso do dinheiro público continua até os dias de hoje. Em mais um sete de setembro, isto novamente foi retratado. Uma dinheirama foi gasta para colocar na passarela os milimétricos passos do corpo de bailarinos fardados.

Todo este balé militar exige muito ensaio, é claro. E enquanto os heróis dançam e preparam o figurino, nossas fronteiras são ultrapassadas por traficantes que despejam toneladas de drogas no território nacional. As nossas florestas são queimadas pelos poderosos fazendeiros, e os aviões brincam de bate-bate por aí. Espadinhas, fuzis e tanques de guerra, que deveriam defender o país, coroam o festejo como uma majestosa decoração. Mas o treinamento coreográfico não pode parar! Afinal, já pensou fazer feio na hora H, na frente da deslumbrante bancada dos políticos? Bela justificativa.

Ah Brasil... Enche-me os olhos saber que o dinheiro investido no passeio dos milicos poderia estar salvando vidas, ou educando melhor um montão de crianças. Tenho tanta honra em bancar o patriotismo cabeça de papel que aí está. Por favor, acudam, acudam, acudam a bandeira, a ordem e a moral nacional.

Aliás, por que diabos o quartel de fato não pegou fogo?!

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Chef Jóinha: receita para uma reunião legal


Uma das premissas para a existência de uma reunião é a de que ela deve ser chata. Não existem reuniões legais – legais do tipo maneiras. E geralmente as pessoas que participam das reuniões também não são legais. E se são, se adéquam à chatice para que não as descubram como invasoras ou como um inconveniente ou até mesmo como espiãs.

Bom, mas eu darei em primeira mão o segredo para deixar uma reunião joinha, supimpa, bacana – ao contrário das expressões utilizadas como sinônimos de legal.

Ingredientes: um (ou mais, mas não pode virar bagunça!) japonês que não fale claramente o português; outros brasileiros que tenham pouca capacidade em decifrar as palavras proferidas por um japonês que fale mal a língua daqui. Cadeiras, mesa, cafezinho, canetas e uma pauta são meros “supérfluos necessários”.

Pronto. Só isso. Não sai tão caro. O difícil mesmo é achar o japonês. Dia desses eu estive em uma reunião legal. Reunião legal, para aqueles que ainda não captaram: reunião com japoneses e brasileiros.

Papo vai, papo vem. Papo não. Não fica formal. Não fica chato. Asseverações e declarações vão, afirmativas e ponderações vêm então o japonês começa a fazer o uso das palavras para explicar suas necessidades como feirante em Bagé. Eu já havia falado que pauta era supérfluo, por isso só agora aparece a informação de que a reunião tratava sobre a Feira Livre de Bagé.

O sotaque é complicadíssimo, mas com alguns franzires de testa as pessoas vão entendo o “nipoportuguês”.

Até que...
Até que...
Até que...

O japonês solta: “preciso que me ajudem na ‘ereção’ do presidente da Feira”. Não preciso nem dizer, mas vou dizer: os rostos na sala foram de ... sabe quando se mistura um apavoramento total com uma incredulidade completa? Mas tratava-se de uma reunião política. Logo, trataram de refazer a compostura.

Um deles não conseguiu. Fiel partidarista, logo se ajoelhou e gritou por mais de uma vez: “É o milagre do crescimento! É o milagre do crescimento!”. Neste tempinho, os demais rapidamente tiraram notas altas do bolso com vistas a comprar uns comprimidos azuis para, de fato, ajudar a ereção do presidente. Estava ao alcance deles.

Mas eis que pensaram e fizeram uma bobagem - perguntaram: “de que ajuda o senhor precisa?”. Veio a resposta nipônica: “ajuda na ‘ereição’ do presidente”. Ah, não conseguia pronunciar a letra “L”. Era uma espécie de Cebolinha às avessas. Ele queria somente ajuda para organizar uma eleição de presidente da Feira.

Todos, sem exceção, murcharam. Agora seria muito mais difícil ajudar o japonês.