quarta-feira, 6 de maio de 2009

Quanto vale uma vida?


UM CENÁRIO DO TRÁFICO DE DROGAS EM BAGÉ
Troca de tiros, mortes, tortura, medo constante. A polícia, os viciados e os traficantes. Esta é parte da realidade carioca retratada em cenas do filme “Tropa de Elite”, sucesso de bilheterias em todo o Brasil, que aborda os problemas do tráfico de drogas em uma das maiores cidades do país, o Rio de Janeiro. Dramas como este estão longe do dia-a-dia bageense? Ou o crime está camuflado, esperando o momento certo e o terreno fértil para mostrar a sua cara?

Cocaína, maconha, crack, loló e merla. Estas são algumas das drogas que, como nos grandes centros, já circulam em Bagé por rotas obscuras, e passam pelas mãos de crianças, adolescentes e adultos, sem distinção de cor ou classe social.

A cidade, situada no interior do Rio Grande do Sul, e com um pouco mais de 100 mil habitantes, é relativamente pequena, o que facilita os contatos e aproxima o traficante da comunidade.

As histórias contadas abaixo não mostram as simples facetas de ex-viciados ou ex-traficantes que relatam o que passaram e o que pensam sobre as drogas – como comumente vê-se nos meios de comunicação. Isto seria uma distorção da realidade, e é antiético apresentar isto como verdade. As linhas que seguem mostrarão os agentes principais da construção do cenário das drogas em Bagé: os criminosos atuantes e os usuários.

O QUÊ N.B.S TEM PARA CONTAR

N.B.S são as iniciais de um traficante de Bagé. O nome foi preservado para que a fonte pudesse falar sem medo de restrições legais.

“Vi no tráfico uma oportunidade. Eu não tinha emprego”. Dessa forma começa a história de N. B. S., de 29 anos e que há 12 vende drogas em Bagé. Com apenas 17 anos ele já traficava, e era movido por um motivo muito mais forte do que a necessidade de sustento. “Eu queria ganhar muito dinheiro”, diz.

Demorou um pouco, mas de iniciante, a ambição fez N. B. S. se tornar um dos cinco maiores traficantes de Bagé. O faturamento mensal é impressionante: ultrapassa os R$ 15 mil – o equivalente a, aproximadamente, 36 salários mínimos.

Especializado na venda de maconha, cocaína, crack, e de merla (uma mistura das folhas da coca com alguns produtos químicos como ácido sulfúrico, querosene e cal virgem) o ponto de vendas recebe uma visita diária de cerca de 30 pessoas. “Hoje o que tem mais saída é a merla”. N. B. S. explica que esta droga é uma novidade em Bagé, e por isso é muito procurada. O efeito é destruidor: vicia mais rápido e prejudica muito mais do que crack e cocaína.

A última parada antes da droga vir para Bagé, geralmente, é Porto Alegre, mas cidades de fronteira com o Uruguai, como Santana do Livramento, também servem como fonte dos entorpecentes. Ao chegar aqui, o armazenamento é feito com prudência e, principalmente, mistério: “como guardamos é segredo, mas tem que ter cuidado com ela (droga), porque ela é um bem para nós, vale até mais do que uma mulher”, diz.

Depois de armazenada, parte da droga é repassada aos revendedores, os chamados “vapores”, que têm a função de movimentar e descentralizar o negócio. Para cada um dos “representantes comerciais” do tráfico é pago, em média, R$ 800,00 mensais.

O dinheiro lucrado por N. B. S. com a venda de drogas não é aplicado diretamente em bens materiais próprios. “Para não dar na cara”, justifica, explicando que a polícia ou a comunidade podem estranhar o enriquecimento ilegal. No entanto, uma boa casa, carros e estudo foram alguns dos luxos que o traficante proporcionou à sua família.

Dono de uma pistola automática, N. B. S. já teve de usá-la para matar, com o objetivo de controlar problemas do tráfico. Sem entrar em muitos detalhes sobre este tema, ele explica, no entanto, que não existe rivalidade entre os traficantes locais. “Apenas não dá para confiar totalmente, senão eles podem me passar para trás e pegar o ponto”, diz.

Apesar da prisão de alguns revendedores de drogas em Bagé, N. B. S. exclama: “O tráfico cresce bastante aqui”.

QUEM ALIMENTA O TRÁFICO?

F.M. e E.R. são iniciais dos nomes de usuários de drogas entrevistados para esta matéria.

“Cocaína: aceleração, tranqüilidade, paz, logo após ansiedade e nervosismo; Benzina: loucura total; Cola: viagem para outra dimensão; Maconha: relaxamento mental e corporal e uma leve sensação de felicidade”. Assim a jovem F. M., de 20 anos, define o efeito de cada droga já utilizada em uma história de sete anos de dependência química.

Aos 13, na escola, por curiosidade, ela comprou pela primeira vez a maconha. A partir daí F. M. não parou mais, experimentou outros entorpecentes, e até hoje utiliza, pelo menos uma vez por dia, a droga que a colocou como uma das financiadoras do tráfico de drogas. “Eu gostaria de não gostar da maconha, de não me sentir bem com ela”, revela.

E. R., de 27 anos, tem uma história ainda mais extensa no mundo das drogas. Com 11 anos, também por curiosidade, ele experimentou, junto com amigos no colégio, a maconha. Aos 15 a cocaína entrou em sua vida – entorpecente usado com freqüência até os 16.

“Com essa idade parei com a cocaína”. Desde então, E. R. passou a usar diariamente a maconha. Por mês são gastos cerca de R$ 100,00 com a droga. No entanto, ele revela que gostaria de empregar o dinheiro em um negócio lícito: “sou a favor da legalização para não haver a criminalização”, finaliza.

O dinheiro ganho no tráfico de drogas e o gasto para alimentá-lo é exorbitante. Talvez você se pergunte, ao chegar às últimas palavras deste texto, por que ainda estudar ou trabalhar, se um traficante ganha 36 vezes mais do que milhões de brasileiros, e um dependente químico emprega, muitas vezes, um salário mínimo para alimentar o seu vício? Por que continuar se esforçando, se a ilegalidade que passa por debaixo dos panos lucra milhões a mais do que qualquer empreendimento construído com suor e honestidade?

O tráfico mata hoje no Brasil milhares de pessoas todo o ano. Seja com o efeito dos alucinógenos ou pelas armas que controlam o esquema, a ilicitude das drogas condena à morte cidadãos indignos, e os dignos também.

Ao final destas palavras, volte a se questionar: qual é o valor de uma única vida? Escolha os seus caminhos e defina os seus conceitos a partir desta resposta.

Foto: Leko Machado

Reportagem também publicada na Revista Alphorria (janeiro de 2009)

7 comentários:

  1. É uma triste realidade, não só de Bagé, Rio Grande do Sul ou Brasil, mas do mundo... Enquanto os problemas não forem solucionados atacando-os pela raiz, não haverá mudanças.

    Meu maninho é um grande Jornalista! Aposto Minhas fichas nele! heuaheauhe

    Abraço mano, sorte e segue esse grande profissional que tu és!

    ResponderExcluir
  2. Parabéns pelo texto Rosa.
    Peço que continues a escrever essas reportagens de grande valor.

    Grande abraço e sucesso na tua carreira.

    alessandro de oliveira

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  4. É a banalização da violência , e da vida não podemos achar tudo normal e ficar de braços cruzados

    vlw pela visita

    abraço

    FAGGH


    www.celebritypoke.blogspot.com

    ResponderExcluir
  5. Ótimo texto, você com certeza faz um bem enorme colocando isso no seu blog, parabéns porisso e pelo blog em si, que Deus te ilumine.abraços.cac

    ResponderExcluir
  6. OLÁ,
    ENCONTREI POR ACASO TEU BLOG, E COMECEI A LER, CHEGUEI HOJE ATÉ AQUI.
    MUITO BOA OS TEUS ARTIGOS, INTELIGENTES E DIVERTIDOS. ESSE ENTÃO NO QUAL ESTOU COLOCANDO O COMENTARIO É BARBARO. PARABENS, DESDE QUE FOMOS COLEGAS DE AULA NA 8ª ERA POSSIVEL NOTAR ESSE DOM MARAVILHOSO QUE TU TENS DE TRATAR DE ASSUNTOS IMPORTANTES DE UMA FORMA AGRADAVEL.
    MAIS UMA VEZ, PARABENS

    ResponderExcluir