terça-feira, 18 de agosto de 2009

O problema é com a Yeda ou com a minha mãe?


A verdade está nas crianças. Esta é uma de minhas convicções. É por isso que esta história se torna ainda mais assustadora.

Noite fria e chuvosa de segunda-feira, um pouco antes da meia noite. Trovões e relâmpagos batem na janela como monstros de seriado japonês. Um ambiente pavoroso. Mas tudo poderia ficar ainda pior.

Minha irmã, Caroline, de apenas oito anos, está aborrecida em seu quarto. Eu adentro ao local. Com medo também, é claro. Pergunto: “o que houve, Carol?”

Carol responde: “a mamãe não deixou eu botar o colchão grande no chão, pra nós dormirmos juntos, maninho”.

Eu rebato: “ela é uma ditadora, né Carol?”

Carol: “não, pior, ela é uma Yeda”.

É... A situação está feia para a “companheira” tucana. Ser pior do que um ditador, convenhamos, é pior do que ser a primeira bolachinha do pacote, é pior do que ser o gás da Fruki Cola. E você, o que acha? Responda a enquete ao lado ou comente. Ou faça os dois.

Eu, pelo menos, acho Yedinha horrível e garanto: o problema não está em minha mãe. Ela é o meu maior orgulho e a maior heroína que as séries ocidentais já viram.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O curso do tempo


O tempo é realmente cruel. Ah, estou pegando leve demais. O tempo é a maior desgraça do mundo. É ele que nos rouba a infância. Ele faz com que as pessoas cresçam, e crescer é nojento. Quem disse que eu precisava de ter responsabilidade com as coisas? Ele nos atira rugas na cara. Ele acaba com a nossa disposição. Ele nos mata.

O que fizeram com a Mônica da 4ª série? E com o Marquinhos, da 6ª? Onde está o Rafael? Todos foram engolidos por um tempo que fez questão de separar qualquer possibilidade de um reencontro.

E isso tudo é horrível, não é? Mas é necessário. O tempo também nos faz esquecer, nos faz dar um passo adiante. Nos faz entender. O que seria de nós se vivêssemos na terra do nunca? Não teríamos passado. Não teríamos futuro. Seríamos nós em nós mesmos.

Sabe, dia desses eu estava em Pelotas, na casa do meu irmão. Jogamos vídeo-game como doentes ficcionados em qualquer coisa. Mas por um momento, voltamos à nossa infância. Conseguimos recuperar, por pouco tempo, nossos sorrisos mais sinceros. Minutos depois estava por dormir, e lembrei da tal realidade chata. Tinha um concurso para fazer no outro dia. O fiz. E passei.

Agora, sou feliz ou triste?

Espero ter tocado vocês com estas palavras. Se não o fiz, leia isto de novo, daqui a um mês.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

O que andava para trás, trocava de cor e comia criancinhas?


E aí, alguém acertou a charada do título? Quem adivinhou já sabe o porquê deste texto. Michael Jackson, com 50 anos, partiu desta para uma melhor, bateu as botas, esticou as canelas, abotoou o paletó, enfim, virou presunto.

Uma parada cardíaca foi a responsável pela morte do cantor, que aconteceu na tarde desta quinta-feira, 25 de junho, em Los Angeles (EUA).

É claro que os fãs fiéis sentiram muito a perda. Mas se a morte de Michael Jackson tivesse acontecido nos anos 80, o mundo pararia. Foi naquela década que o músico alcançou o ápice, com o lançamento do disco Thriller (1982), que vendeu 104 milhões de cópias, segundo os empresários do cantor.

Depois de tantos escândalos, no entanto, o brilho e a magia sobre um dos maiores ícones da música pop mundial praticamente se apagou. Dentre as diversas polêmicas, as que mais chamaram a atenção foram as acusações de abuso sexual contra crianças.

De negro passou a ser branco, após um processo de despigmentação da pele (consequência, segundo o cantor, da doença vitiligo).

A construção da Neverland (Terra do Nunca), rancho com zoológico e parque de diversão particulares, também despertou o interesse público.

E o que dizer da vez em que segurou seu filho para a parte de fora da janela, quase o fazendo cair e assustando os espectadores do mundo todo.

Ainda era motivo de curiosidade as inseparáveis máscaras com que desfilava.

Só o tempo irá dizer o que será mais lembrado: as confusões ou os 750 milhões de álbuns vendidos e os 13 prêmios Grammy conquistados.

Michael Jackson nasceu em 29 de agosto de 1958, em Gary, Indiana (EUA). A carreira começou cedo, nos anos 60, quando tinha apenas 5 anos e cantava ao lado dos seus quatro irmãos mais velhos no Jackson Five.

Mas foi sozinho, com os famosos passos para trás e uma mistura de funk, disco e pop, que o sucesso tomou maiores proporções.

Atualmente estava preparando uma série de shows que seriam apresentados em Londres.

Confira aqui uma linha do tempo com a carreira do cantor.

Link para o clip da música Beat It, do disco Thriller. O solo é do guitarrista Eddie Van Halen

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Patinhos, nudez, índios, padres, políticos e a água


Em tempos de racionamento em Bagé, com esta foto do chafariz da Praça Silveira Martins, a capa do Jornal Minuano desta quarta-feira, 17 de junho, questiona: “Água Fora?”.

A matéria trata de esclarecer que não há desperdício, já que “o sistema de funcionamento dos chafarizes aproveita a água de seu lago e a devolve”, conforme o texto do diário bageense.

Até aí tudo jóia! O problema é que inventamos de imitar os índios em muitas coisas. Daqui a pouco, bem pouquinho, a galerinha do mal vai estar lá, de sunga (ou sem ela), toalha, sabonete e patinho para tomar o seu banho diário.

Já pensou? Todo mundo peladão, que nem aqueles centenários anjinhos obscenos dos chafarizes. E o pior, em frente a uma igreja! Frei Álvaro não vai gostar nadinha, pessoal!

Confesso que até eu entrava na fila do banho. Aqui em casa a água acaba muito antes das 15 horas, como prometido nas propagandas do Daeb (Departamento de Água e Esgotos de Bagé). Lavagem corporal só nas primeiras e geladíssimas horas da manhã.

Enquanto isso, o dinheiro da nova barragem Arvorezinha continua parado. Segundo Dudu, prefeito de Bagé, a Ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, já garantiu em ato público que a obra está incluída no Pac (Programa de Aceleração do Crescimento).

Ora, se a saliva da Dilma me banhasse eu ficava bem feliz até. E vamos combinar que o banho é secundário - ainda tem a comida para ser feita!

É preciso acelerar o processo das licenças exigidas para o início da barragem. É preciso que os figurões bageenses tenham força política para que a obra seja, de fato, prioridade.

Já ia me esquecendo. A igreja citada fica ao lado do prédio da prefeitura. Um protesto com gente pelada chama a atenção, hein! Ia ser lindo ver o povão gritando em frente à casa do Executivo: “Ei, Dudu, vai tomar um banho!”, no chafariz, é claro.

Está na hora dos políticos resolverem o problema da água na Rainha da Fronteira. Ou, em breve, viveremos em uma praia de nudismo, banhada pelo arroio Bagé.

Foto: Bosco (Jornal Minuano)

A matéria do Jornal Minuano pode ser lida na íntegra em www.jornalminuano.com.br

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Gripe econômica ou crise suína?


Antes de começar expressamente o conteúdo deste artigo, vamos a um dificílimo teste de raciocínio. Você está preparado? Vamos lá: qual é o bem (não-material) mais importante da sua vida?

Os mais faceiros vão responder: a minha alegria de viver! Para os mais românticos, o amor! Para os vaidosos, a beleza! Mas o buraco é mais embaixo. É o que permitiu fazer com que você levantasse hoje e realizasse atividades diversas – entre elas ir até o computador, ligar o computador, abrir o navegador, digitar www.ogritodarainha.blogspot.com e ler até aqui.

Quem respondeu saúde ganhou dois pontos e avança cinco casas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social.

A sua saúde e a da sua família, mais a saúde do vizinho, do seu colega de trabalho e de toda a sociedade, aliadas às ações do Estado para pensar e estruturar sistemas e serviços de atendimento, é conhecida como saúde pública. A célebre saúde pública. Tão lembrada em períodos eleitorais. E tão marginalizada politicamente depois de outubro dos anos pares.

Mas para quê quatro parágrafos para realmente introduzir o assunto? Para eu fazer mais uma pergunta: alguém falou em crise econômica depois que a gripe suína começou a assustar a população mundial?

Não, não e não mais uma vez! Quer algo mais importante para se preocupar do que a saúde pública? Ainda mais quando a preocupação é com uma possível pandemia mundial. Nem dá tempo para pensar em crise econômica! Problemas financeiros são vencidos, a morte não.

O engraçado é que agora nem em gripe suína se fala mais. Por quê? Porque não era tão grave assim. A verdade é que a mazela veio em boa hora para muita gente. E o mercado econômico soube como conduzir a imprensa para uma mudança no foco dos debates públicos. O sensacionalismo transformou um pequeno problema em temor global.

Sabe-se que as especulações do mercado econômico giram muito em torno do que está sendo divulgado nos meios de comunicação. Ou seja, quanto mais a crise aparecia na mídia, mais se desacreditava em suas soluções.

Depois da tempestade vem a bonança. Agora está tudo resolvido, não é mesmo? Não se fala mais em crise e nem em gripe. Conseguiram um bom remédio para acabar com o abalo financeiro.

Estão todos com os bolsos cheios de grana e sem ranho escorrendo pelo nariz!

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Quanto vale uma vida?


UM CENÁRIO DO TRÁFICO DE DROGAS EM BAGÉ
Troca de tiros, mortes, tortura, medo constante. A polícia, os viciados e os traficantes. Esta é parte da realidade carioca retratada em cenas do filme “Tropa de Elite”, sucesso de bilheterias em todo o Brasil, que aborda os problemas do tráfico de drogas em uma das maiores cidades do país, o Rio de Janeiro. Dramas como este estão longe do dia-a-dia bageense? Ou o crime está camuflado, esperando o momento certo e o terreno fértil para mostrar a sua cara?

Cocaína, maconha, crack, loló e merla. Estas são algumas das drogas que, como nos grandes centros, já circulam em Bagé por rotas obscuras, e passam pelas mãos de crianças, adolescentes e adultos, sem distinção de cor ou classe social.

A cidade, situada no interior do Rio Grande do Sul, e com um pouco mais de 100 mil habitantes, é relativamente pequena, o que facilita os contatos e aproxima o traficante da comunidade.

As histórias contadas abaixo não mostram as simples facetas de ex-viciados ou ex-traficantes que relatam o que passaram e o que pensam sobre as drogas – como comumente vê-se nos meios de comunicação. Isto seria uma distorção da realidade, e é antiético apresentar isto como verdade. As linhas que seguem mostrarão os agentes principais da construção do cenário das drogas em Bagé: os criminosos atuantes e os usuários.

O QUÊ N.B.S TEM PARA CONTAR

N.B.S são as iniciais de um traficante de Bagé. O nome foi preservado para que a fonte pudesse falar sem medo de restrições legais.

“Vi no tráfico uma oportunidade. Eu não tinha emprego”. Dessa forma começa a história de N. B. S., de 29 anos e que há 12 vende drogas em Bagé. Com apenas 17 anos ele já traficava, e era movido por um motivo muito mais forte do que a necessidade de sustento. “Eu queria ganhar muito dinheiro”, diz.

Demorou um pouco, mas de iniciante, a ambição fez N. B. S. se tornar um dos cinco maiores traficantes de Bagé. O faturamento mensal é impressionante: ultrapassa os R$ 15 mil – o equivalente a, aproximadamente, 36 salários mínimos.

Especializado na venda de maconha, cocaína, crack, e de merla (uma mistura das folhas da coca com alguns produtos químicos como ácido sulfúrico, querosene e cal virgem) o ponto de vendas recebe uma visita diária de cerca de 30 pessoas. “Hoje o que tem mais saída é a merla”. N. B. S. explica que esta droga é uma novidade em Bagé, e por isso é muito procurada. O efeito é destruidor: vicia mais rápido e prejudica muito mais do que crack e cocaína.

A última parada antes da droga vir para Bagé, geralmente, é Porto Alegre, mas cidades de fronteira com o Uruguai, como Santana do Livramento, também servem como fonte dos entorpecentes. Ao chegar aqui, o armazenamento é feito com prudência e, principalmente, mistério: “como guardamos é segredo, mas tem que ter cuidado com ela (droga), porque ela é um bem para nós, vale até mais do que uma mulher”, diz.

Depois de armazenada, parte da droga é repassada aos revendedores, os chamados “vapores”, que têm a função de movimentar e descentralizar o negócio. Para cada um dos “representantes comerciais” do tráfico é pago, em média, R$ 800,00 mensais.

O dinheiro lucrado por N. B. S. com a venda de drogas não é aplicado diretamente em bens materiais próprios. “Para não dar na cara”, justifica, explicando que a polícia ou a comunidade podem estranhar o enriquecimento ilegal. No entanto, uma boa casa, carros e estudo foram alguns dos luxos que o traficante proporcionou à sua família.

Dono de uma pistola automática, N. B. S. já teve de usá-la para matar, com o objetivo de controlar problemas do tráfico. Sem entrar em muitos detalhes sobre este tema, ele explica, no entanto, que não existe rivalidade entre os traficantes locais. “Apenas não dá para confiar totalmente, senão eles podem me passar para trás e pegar o ponto”, diz.

Apesar da prisão de alguns revendedores de drogas em Bagé, N. B. S. exclama: “O tráfico cresce bastante aqui”.

QUEM ALIMENTA O TRÁFICO?

F.M. e E.R. são iniciais dos nomes de usuários de drogas entrevistados para esta matéria.

“Cocaína: aceleração, tranqüilidade, paz, logo após ansiedade e nervosismo; Benzina: loucura total; Cola: viagem para outra dimensão; Maconha: relaxamento mental e corporal e uma leve sensação de felicidade”. Assim a jovem F. M., de 20 anos, define o efeito de cada droga já utilizada em uma história de sete anos de dependência química.

Aos 13, na escola, por curiosidade, ela comprou pela primeira vez a maconha. A partir daí F. M. não parou mais, experimentou outros entorpecentes, e até hoje utiliza, pelo menos uma vez por dia, a droga que a colocou como uma das financiadoras do tráfico de drogas. “Eu gostaria de não gostar da maconha, de não me sentir bem com ela”, revela.

E. R., de 27 anos, tem uma história ainda mais extensa no mundo das drogas. Com 11 anos, também por curiosidade, ele experimentou, junto com amigos no colégio, a maconha. Aos 15 a cocaína entrou em sua vida – entorpecente usado com freqüência até os 16.

“Com essa idade parei com a cocaína”. Desde então, E. R. passou a usar diariamente a maconha. Por mês são gastos cerca de R$ 100,00 com a droga. No entanto, ele revela que gostaria de empregar o dinheiro em um negócio lícito: “sou a favor da legalização para não haver a criminalização”, finaliza.

O dinheiro ganho no tráfico de drogas e o gasto para alimentá-lo é exorbitante. Talvez você se pergunte, ao chegar às últimas palavras deste texto, por que ainda estudar ou trabalhar, se um traficante ganha 36 vezes mais do que milhões de brasileiros, e um dependente químico emprega, muitas vezes, um salário mínimo para alimentar o seu vício? Por que continuar se esforçando, se a ilegalidade que passa por debaixo dos panos lucra milhões a mais do que qualquer empreendimento construído com suor e honestidade?

O tráfico mata hoje no Brasil milhares de pessoas todo o ano. Seja com o efeito dos alucinógenos ou pelas armas que controlam o esquema, a ilicitude das drogas condena à morte cidadãos indignos, e os dignos também.

Ao final destas palavras, volte a se questionar: qual é o valor de uma única vida? Escolha os seus caminhos e defina os seus conceitos a partir desta resposta.

Foto: Leko Machado

Reportagem também publicada na Revista Alphorria (janeiro de 2009)

sábado, 21 de março de 2009

A grande vitória do incrível monstro de tesouras


A sexta-feira 13 veio com uma semana de atraso, pelo menos para mim. Foi neste dia 20 de março que, de fato, o pavor tomou conta da minha vida e todo aquele mundo onírico dos filmes de terror se tornou pura realidade. Não é brincadeira, não. Acreditem, é muito sério: tive um terrível encontro com um terrível monstro de forma terrivelmente gosmento-gelatinosa. Os seus quase três metros de altura eram preenchidos por uma cor amarela. Os olhos eram grandes, verdes e amedrontadores. Na cabeça, cabelo não tinha. Talvez nem cabeça tivesse. Tinha, sim, lâminas assassinas no lugar de suas mãos.

O local do meu embate com o grandão era ainda mais aterrorizante. Um castelo cheio de nuvens negras ao seu redor, com morcegos voando e risadas malignas ecoando em seu interior. Pessoas enforcadas e degoladas eram apenas decoração, juntamente com crânios, esqueletos e um cheiro provocovomitante de... cremes para cabelo. Na entrada, um tapete laranja prenunciava todo o pânico que eu passaria lá dentro. Os sofás verdes com azul eram ainda piores. Os parquês soltos no chão, todos aqueles pés femininos sendo pintados e um barulho atordoante de secadores de cabelo completavam o ambiente. Enfim, um terrível ritual, muito provavelmente vinculado ao tinhoso, ao demo, ao capeta mesmo.

Não pensem que fui tão longe para ver tal barbaridade: General Osório esquina com Rodrigues Lima. À disposição dos corajosos de plantão.

Antes mesmo de eu bater ou tomar qualquer atitude, a porta se abriu sozinha, com um ringido ensurdecedor. Bati um papo com a secretária (sim, o filhote de cruz-credo tinha até secretária) e me sentei. A batalha tinha hora marcada: 11h30min. Cheguei um pouco antes para me preparar, como aqueles times que vão jogar na altitude. Estava tudo planejado. Mal sabia que meu futuro era incerto.

Entrei na sala da grande luta. Com o monstro, mais quatro acompanhantes. Ele estava jogando sujo. Até tentei dar o meu primeiro golpe. Foi em vão. O terrível me amarrou com uma grande capa preta (também conhecida como avental) e me atirou em uma cadeira. Em seguida, as lâminas embutidas ganharam liberdade e saíram dos braços do bicho amarelo. A sua primeira investida já me deixou destruído. Apenas ouvi um “tic tic”, e metade dos meus longos, belos, lindos, crespos, pretos cabelos estavam ao chão. Na minha frente, um espelho me permitiria ver as ações do ser anômalo, e bolar alguma estratégia para o revide. Mas eu já estava batido. Me conformei: ainda me restava a barba, as axilas...

Não queria ouvir, ver e, principalmente, sentir mais nada. Fechei os olhos, coloquei os fones na orelha e me entreguei à triste vida dos homens sem cabelo. Apesar da fantasia supraescrita, eu juro, para vocês todos, que o pacotinho entregue a mim pelo senhor da história abaixo continuava comigo.

Desde que a minha avó pediu para que cortasse o cabelo para seu aniversário, no dia 15 de janeiro de 2002, passaram-se sete anos. Sete anos ostentando, orgulhoso, a juba que conheceis. Sete anos vendo os fios tocarem na guitarra que eu segurava. Sete anos aprendendo a cuidar de algo mais comum para meninas. Sete anos brigando com a mãe pela cabeleira caída no ralo do banheiro. Sete anos sabendo que era diferente da grande maioria. Sete anos de felicidades e preconceito. Sete anos sonhando em ser o deus do rock. Sete anos que jamais esquecerei, e que talvez voltem, afinal eles crescem de novo.

Não sei ao certo o que me fez ir até o castelo e enfrentar o monstro. Não foi por pressão da família ou do mercado de trabalho. Senti apenas que, talvez, essa era a hora de mudar um pouco.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Marley, eu e um velhinho

Sabe aquelas histórias simples, por vezes bobas, mas que realmente nos tocam de alguma forma? Eu tenho uma dessas para contar.

Fazia um pouco frio para quem não se cobria com um casaco. Uma típica noite do final do verão gaúcho. Minha namorada, Tamíris, e eu, caminhávamos pela principal avenida de Bagé, a Sete de Setembro, na quadra situada entre a Bento Gonçalves e a General Neto. Quem conhece a cidade lembra de primeira: é onde fica o Imba, o Comercial, a Casa de Cultura e também duas galerias: a Kalil e a Sete. Esta última, onde está instalado o único cinema bageense – o Cine Sete, reinaugurado há poucos dias, e que rodou apenas dois ou três filmes até agora. Um deles, Marley e eu, que acabáramos de assistir.

Confesso: relutei um pouquinho para ver este filme. Apesar de ter lido algumas páginas do bom livro do jornalista e escritor John Grogan, que dá origem à trama, para mim não passaria de mais uma daquelas chatas histórias de cachorros-heróis. Me enganei. O que o diretor David Frankel conseguiu levar às grandes telas tem uma mistura muito interessante. Um bocado de humor e drama temperado com uma boa dose de essência humanitária, no sentido altruísta da palavra, já que a temática é a vida de um animal.

Realmente, a história tira boas risadas dos espectadores com as trapalhadas do cachorro destruidor de lares, no sentido literal da expressão mesmo. O final é emocionante. E isso era possível notar não apenas prestando atenção no filme. Mas na plateia que o assistia. Entre um diálogo e outro na telona, vários soluços nas poltronas. No término da trama, quando as luzes acenderam, rostos encharcados. Nas escadas de saída, todos comentavam: fulano chorou, sicrano também. Ou seja: todos. Menos eu. E de fato, me senti um extraterrestre por isso.

Mas ainda havia tempo para eu recuperar o meu espírito fraterno, que estava vagando por aí. E o encontrei. Na esquina da loja Tempoo, onde tem uma famigerada carrocinha de lanches. De longe avistei um senhor com barba branca e quase sem cabelos. Pequenino, magrinho e simpático, portava um rosto um pouco assustado. Carregava, também, um pacotinho com as minhas lágrimas.

Com a voz trêmula e confusa ele se apresentou. Parecia ser um daqueles velhinhos de rua. Estava sujo, com uma roupa consideravelmente nova, mas desarrumada. Cheirava mal, parecia não tomar banho há alguns dias. Não estava alcoolizado, como comumente encontramos tais figuras descritas.

Com uma expressão cheia de humildade, pediu: “por favor, me paga um pãozinho, que estou com fome?”, disse, apontando para o vendedor de panchos. Não ouvi com as orelhas penduradas à cabeça, mas sim, com as que estavam no coração. Dei de ombros para todo aquele discurso de que não se ofertava algo a pedintes. Não era isso o que importava. Fui lá e paguei o tal lanche para o homem. Resultado: um belo sorriso quase sem dentes, um forte aperto de mãos, um abraço daqueles de parar o mundo, e um beijo, além, é claro, da devolução de minhas lágrimas. Fiz questão de colocá-las rapidamente em meus olhos.

O senhor repetiu os mesmos gestos com minha namorada e depois nos despedimos. Cruzamos a Praça do Coreto e fomos para casa. Depois de alguns segundos, minha vida estava separada da vida daquele velhinho. Talvez para sempre. Não acredito que ele viva por muito tempo. Mas sem dúvida, a memória daquele momento caminhará ao meu lado por muitos anos.

Isto aconteceu às 23h32min de um dia qualquer. Agora são 2h47min da madrugada e ainda continuo pensando sem parar no que aconteceu.